sábado, 13 de julho de 2013

Estamos num período muito especial para a história da Igreja e, de modo específico, para a Igreja do Brasil! Tivemos a graça do anúncio da canonização próxima de dois gigantes da fé, João Paulo II e João XXIII, e o lançamento da primeira encíclica do Papa Francisco, a “Lumem Fidei”, texto iniciado por Bento XVI, completando a trilogia, amor (“Deus Caritas est”) e sobre a esperança (“Spes Salvi”).
Chegaram à nossa querida Arquidiocese algumas relíquias dos santos padroeiros e intercessores da JMJ, em especial, a do Papa Beato João Paulo II. Também chegaram os símbolos da Jornada Mundial da Juventude: a Cruz e o ícone de Nossa Senhora, que foram recebidos por milhares de jovens. Tudo isso preparando nossos corações para acolher nosso amado Papa Francisco e a milhões de peregrinos que já começam a desembarcar em nossa querida nação tanto para a JMJ aqui no Rio de Janeiro como para a Semana Missionária, período de evangelização que ocorrerá em todas as dioceses. Ela antecede e prepara o ardor missionário e abre os corações dos jovens a uma melhor escuta do Espírito Santo, que atuará de modo único e especial durante a JMJ-Rio2013. Foi divulgado também o decreto da Penitenciária Apostólica, concedendo indulgências por ocasião da XXVIII Jornada Mundial da Juventude.

Os trabalhos são muitos, mas me parece impossível não encher-nos de alegria e entusiasmo pelos imensos sinais que Deus está enviando a cada um de nós. Ele deseja algo grande. Não é fruto do acaso ou apenas da vontade humana o fato de a JMJ ocorrer neste ano no Brasil e perto de eventos tão especiais.

As dificuldades também são imensas e muitas vezes parecem superar as soluções. Sinto-me pessoalmente interpelado por Deus. Vejo que Ele é o primeiro interessado. E diante de tudo o que ocorre, surge em minha alma uma pergunta: o que Deus quer de nós?

Tenho certeza de que Deus sonha e deseja ardentemente nossa felicidade. Diante das crescentes dificuldades e, ao mesmo tempo, desse imenso amor divino, parece-me impossível não querer responder à altura de sua misericórdia. O que Deus está planejando para a Juventude Católica de todo o mundo? Para os jovens de nosso Brasil e do Rio de Janeiro?

Para responder a esta inquietação que assola meu coração, nada melhor do que guiar-nos pela nova encíclica “Lumem Fidei”, que foi promulgada justamente às vésperas da JMJ e neste Ano da Fé.

Não ter vergonha de nossa fé

O primeiro convite que o Papa faz é: não ter vergonha de nossa fé. “Cristo é o verdadeiro Sol, cujos raios dão vida” (Cf. 1). Atualmente somos quase que obrigados a pensar que a fé é um inimigo do ser humano. Que a fé foi um elemento importante para as sociedades antigas, mas que para a modernidade seria um obstáculo para o desenvolvimento da razão, do progresso e da liberdade. Ela “seria uma espécie de ilusão de luz, que impede o nosso caminho de homens livres rumo ao amanhã” (Cf. 2).

É muito comum afirmar que a fé é um salto no vazio, um passo no escuro, um elemento subjetivo que deve ser confinado dentro do campo das opiniões pessoais. Assim, não percebemos que a fé cai no relativismo e a privamos de sua característica essencial: ser luz através da qual a realidade pode ser vislumbrada em toda sua profundidade. A fé não é um obstáculo, ao contrário, só quem vive sua fé consegue descobrir quem realmente é em todas suas dimensões.
 
Não devemos dar por descontada a fé

Antes de tudo a fé é dom de Deus, mas que frutifica na medida da resposta livre e pessoal. Apesar de ser história e fazer história, a fé só alcança sua plenitude quando é acolhida, cuidada e revigorada. Não basta a fé de nossos pais, cada geração deve se renovar na fé. Ela não é adesão cega e mecânica a um ser supremo e absoluto que lhe obriga a ajoelhar-se diante de seu imenso poder. Isso não é Deus, é uma aberração de Deus, um tirano.

Acho muito interessante conversar com pessoas que não acreditam em Deus. E por que digo isto? Pois quando alguns começam a dar as razões pelas quais não creem eu penso comigo mesmo: se eu achasse que Deus é assim, eu seria o primeiro a não acreditar também.

Não devemos dar por descontada a fé (cf. 6)! Cada geração, cada pessoa deve fazer a experiência pessoal de Deus, de seu amor e de sua misericórdia. E justamente por que Deus é Pai e não um tirano, Ele não nos deixa só, pois ao mesmo tempo em que a fé nasce dessa adesão pessoal não podemos ser cristãos sozinhos. “Na fé, o ‘eu’ do crente dilata-se para ser habitado por um Outro, para viver num Outro, e assim a sua vida amplia-se no Amor” (cf. 21).

Não estamos sozinhos, o Papa insiste e dedica um capítulo à dimensão eclesial da fé. Temos os sacramentos, temos os mandamentos, temos a oração do Pai Nosso, temos o magistério da Igreja, temos nossa comunidade.

Não somos apenas indivíduos, somos pessoas que vivem em relação; faz parte de nosso ser o relacionar-se, o encontrar com o outro. “A fé transmite-se, por assim dizer, sob a forma de contato, de pessoa a pessoa, como uma chama se acende noutra chama. Os cristãos, na sua pobreza, lançam uma semente tão fecunda que se torna uma árvore, capaz de encher o mundo de frutos” (cf. 52). A fé, por sua natureza, abre-se ao “nós”. Não é apenas a relação entre um “eu” do fiel e o “Tu” divino, verifica-se dentro da comunhão da Igreja (cf. 39).

Meus amigos, Deus deseja dilatar nossos corações! Neste momento histórico da Igreja, Ele nos pede, através do sucessor de Pedro, vivermos a fé numa dupla dinâmica: do encontro pessoal e da vivência eclesial.

É no reconhecimento da herança recebida que deve ser transmitida, onde iremos solidificar de modo mais pleno nossa liberdade. Não há verdadeira adesão no amor sem conhecimento e reconhecimento dos benefícios recebidos. Antes de nós, muito sangue foi derramado, muitas orações foram elevadas aos céus. A fé é dom de Deus, que vem através de nossos antepassados. E agora fica a pergunta: que fé queremos transmitir para as futuras gerações? Isso cada um de nós deve responder.

Convido nestes dias que antecedem a JMJ a intensificar nossa vida de oração. Preparemo-nos através do Sacramento da Confissão. Emociona-me ver milhares de jovens organizando não apenas eventos culturais e musicais, mas principalmente momentos de adoração, peregrinação, celebração.
 
Fé, Verdade e Amor

De modo magistral, o Papa faz um espetacular entrelaçamento entre fé, verdade e amor. Não há uma virtude sem a outra. Para que cada uma seja autêntica e cristã, devem estar unidas na vivência cotidiana de cada católico.

“O homem precisa de conhecimento, precisa de verdade, porque sem ela não se mantém de pé, não caminha. Sem verdade, a fé não salva, não torna seguros os nossos passos. Seria uma linda fábula, a projeção dos nossos desejos de felicidade, algo que nos satisfaz só na medida em que nos quisermos iludir.” (cf. 24).

A fé sem verdade é puro sentimentalismo. Fé não é subjetivismo, mas o dom que vem de Cristo. Fé e verdade estão intimamente entrelaçadas. A grande crise que há de fé hoje em dia é, de certo modo, uma crise da razão. Duvidamos da capacidade de conhecer e transmitir a verdade. Há uma verdade absoluta e universal? É possível conhecê-la? Tudo se reduz à mera conformação do sujeito com suas próprias convicções? Defender uma verdade absoluta não seria fundamentar posições totalitárias e fundamentalistas?

“Na cultura contemporânea, tende-se frequentemente a aceitar como verdade apenas a da tecnologia: é verdadeiro aquilo que o homem consegue construir e medir com a sua ciência [...] depois haveria as verdades do indivíduo, como ser autêntico face àquilo que cada um sente no seu íntimo, válidas apenas para o sujeito, mas que não podem ser propostas aos outros com a pretensão de servir ao bem comum” (Cf.25).

A verdade é reduzida a materialismo cientificista e ao reino do individualismo subjetivista. Nesta dimensão e concepção de verdade, propor a fé como algo sobrenatural e como capacidade de criar comunhão e laços entre as pessoas parece um verdadeiro absurdo. Dentro desta perspectiva, o amor estaria conectado não com a verdade, mas com o mundo dos sentimentos. Não há dúvidas de que o amor tem a ver com o mundo de nossa afetividade, afirma o Papa, mas para abrir “à pessoa amada, e assim iniciar um caminho que faz sair da reclusão do próprio eu e dirigir-se para a outra pessoa, a fim de construir uma relação duradoura”, é necessário que o amor esteja unido à verdade, pois só assim pode perdurar no tempo, e não estar a mercê do vai e vem dos sentimentos.

Não há verdade sem amor e nem amor sem verdade. A primeira realidade seria fria e impessoal, não atingiria o âmago da pessoa humana; a segunda reduziria o amor a sentimentos e como este seria instável, frágil e descartável, como muitas coisas o são em nossa sociedade hoje em dia. Em ambos, o outro, o próximo, deixaria de ser sujeito digno de ser amado pelo fato de ser um ser humano com valores e dignidade, e o reduziríamos a simples objeto, coisa, instrumento, meio para alcançar fins egoístas ou imaturos. Certas situações fazem parecer que em algumas comunidades podemos acabar afastando o outro por causa de seus pecados. Somos incapazes de separar o pecado do pecador. E descartamos e abandonamos à própria sorte aqueles que no momento mais precisariam de um anúncio querigmático.

A fé ilumina a verdade, pois “ela dá uma nova dimensão a todas as nossas relações humanas, que podem ser vividas em união com o amor e a ternura de Cristo.” (cf.32).

Desse modo, a fé não pode ser intransigente e arrogante. Ela respeita o tempo do outro. Não somos os donos da verdade, mas apenas seus defensores e promotores. Quando promovo a verdade denegrindo a caridade, estou deformando o corpo de Cristo, pois não há verdade sem caridade e vice-versa. “Longe de nos endurecer, a segurança da fé nos põe a caminho e torna possível o testemunho e o diálogo com todos.” (cf.34).

A fé unida ao amor não é alheia ao mundo material. Ela nos impele a caminhar no caminho da promoção do bem, pois é próprio da luz irradiar, iluminar o que está em volta. A fé se apresenta como um tesouro para a promoção da humanidade e como patrimônio do bem comum. A fé não é alienação, mas promoção de uma humanidade mais completa e verdadeira.

Depois desta Jornada tenho apenas uma convicção: não podemos ser os mesmos. Deus nos dá oportunidade de ver seus sinais em nossa história de tal forma que o Senhor nos concede avivar a chama da esperança que deve estar presente em nossos olhos. Não podemos ser os mesmos. Se já temos uma caminhada na Igreja, Cristo nos convida a uma maior entrega.

Devemos ser em cada momento de nossa vida sinais vivos de que Deus existe. Não há melhor demonstração da existência de Deus do que um católico que vive com coerência a própria fé, que transpira o amor de Cristo e que com um sorriso é capaz de romper barreiras.

A fidelidade aos preceitos e mandamentos só terá uma efetiva transformação na vida pessoal quando formos capazes de transformar nossa fé em encontro com Cristo e com o outro. Será impossível convencer a outro que Deus existe se nós somos os primeiros a não arregaçar as mangas, e somos incapazes de entrar na academia do perdão e da escuta.

Muitas vezes, somos velozes em perceber os limites, imperfeições e quedas do nosso irmão, mas somos lentos em estender a mão, perdoar e ajudar a levantar. Falamos tanto em misericórdia, mas ao final, diante do pecado do próximo, somos os primeiros a fugir como se fossem leprosos capazes de contaminar nossa vida “santa”. Não tenhamos medo de estar próximo de quem necessita.

E recordemos que a experiência dos filhos de Deus é o levantar-se sempre com mais força e entusiasmo. Sempre aparecem os desafios, os problemas, as cruzes e as dificuldades! Tenham confiança em Cristo, permitam que o amor de Cristo possa amadurecer e engradecer suas almas.

É ai, meus amados jovens, onde existe a miséria espiritual e material, as periferias do mundo, que vocês são enviados e devem estar mais presentes. A fé é dom de Deus, disso não temos dúvidas, mas se não se realiza em obras concretas não seremos verdadeiramente cristãos, mas apenas uma caricatura deformada daquilo que Deus tanto sonha e deseja para nós.

Em poucas semanas, acontecerá um grande milagre no Rio: milhares de jovens estarão caminhando pelas ruas, participando de eventos e exalando o perfume da alegria de Cristo. Que este perfume possa permanecer e impregnar nossa existência, e que nunca nos abandone. Tenho confiança em vocês! Muito obrigado, pois o testemunho de vocês ajuda a fortalecer a minha fé. Caminhemos juntos!

† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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